sábado, 8 de outubro de 2011

O diagnóstico em análise comportamental e o papel da Análise Funcional

Uma diferença que se nota da clínica em Análise do Comportamento para a de outras abordagens da Psicologia é que ela não se utiliza de um sistema classificatório nosológico - como na Psicanálise, onde se atribui no fim da análise uma estrutura neurótica, psicótica ou perversa (com possíveis variações dentro destes quadros) ao indivíduo, ou na Psiquiatria, que classifica perturbações psicológicas de acordo com o DSM (Diagnostical and Statistical Manual of Mental Disorders, atualmente na quarta edição revista) e serve como apoio para outras linhas da clínica como a Terapia Cognitiva.

Tais sistemas não costumam ser usados porque não auxiliam o analista do comportamento nem no trabalho de investigação do histórico do paciente, nem no direcionamento do tratamento. Muitas vezes, a classificação de um cliente de acordo com uma lista de sintomas apenas irá obscurecer os dados mais importantes do caso. Portanto, usá-los, além de pouco útil, será talvez contraproducente.


Para usar um exemplo: alguém com depressão não se limita a apresentar os sintomas clássicos na frequência estabelecida pelo manual e, mais ainda, provavelmente as causas da sua condição atual são diferentes das causas da condição de uma outra pessoa com o mesmo diagnóstico. Talvez sua depressão se manifeste mais em alguns dias, em algumas situações, com algumas pessoas, e talvez até ela se sinta feliz em alguns outros dias, com algumas pessoas e fazendo algumas coisas. A classificação, sozinha, não dirá muita coisa. 

As classificações nosológicas podem até ser usadas como forma de diálogo com outras áreas, mas o instrumento de trabalho usado pelo analista do comportamento para identificar o que deve ser tratado na clínica e dar forma ao caso é a análise funcional (Meyer, 2003; Torós, 1997) ou análise de contingências (Ulian, 2007).

A análise funcional em Análise do Comportamento é a identificação de relações de dependência entre eventos ambientais e ações do organismo. Essas relações devem ser descritas em termos de antecedentes (ocasião em que a resposta ocorre), resposta e consequentes (mudanças no ambiente) (Meyer, 2003).

Tais análises devem ser feitas tanto no nível molecular, esclarecendo os antecedentes e consequentes dos comportamentos alvo de intervenção na clínica, quanto no nível molar, esclarecendo as interdependências entre o comportamento em questão e outros comportamentos do cliente ou de outros atores significativos.

A identificação dos comportamentos que serão alvos de intervenção começa, geralmente, pela queixa trazida pelo cliente. Os comportamentos trazidos como problemáticos* são operacionalizados e, então, melhor definidos (Kanfer e Saslow, 1976),  num processo que envolve constantes feedbacks ao cliente, tanto para buscar mais informações caras às análises funcionais como para conferir se de fato o clínico está entendendo o que o cliente está trazendo. É importante lembrar que nem sempre a queixa imediata do cliente será o alvo da intervenção. Algumas vezes, o cliente pode trazer queixas bastante difusas. Por exemplo, relatar "sentimentos de vazio", "angústia" ou mesmo problemas em que responsabiliza terceiros, como "o problema é que meu marido me trata mal" ou "meus amigos não me entendem", ou "as pessoas são injustas comigo". Para identificar a que se referem essas queixas, é preciso esclarecer como são vividas pelo cliente, o que ele diz sentir e fazer, e em que situações tais coisas ocorrem, quem são as pessoas que interferem, o que ele faz depois, dentre diversas outras questões que podem esclarecer melhor o que exatamente o cliente sente e como percebe isso, além de identificar qual o seu comportamento e o seu papel na queixa.

Kanfer e Saslow (1976) chamam a atenção para a importância de buscar, também, comportamentos adequados emitidos pelo cliente - o que ele gosta de fazer, quais são suas habilidades, preferências e talentos, por exemplo -, que podem servir como grandes aliados para as intervenções.

As análises funcionais são, além de um instrumento de coleta de dados e avaliação diagnóstica, uma ferramenta de intervenção em si (Ulian, 2007). Ao coletar os dados e organizá-los com a participação do cliente durante o processo, o método também pode ajudar a fortalecer o vínculo terapêutico, se bem manejado pelo terapeuta. Ao fazer uma análise funcional e apresentá-la ao cliente, ele pode, além de entender melhor os problemas que traz à terapia, se sentir acolhido e compreendido pelo terapeuta. Este deve estar atento ao processo em terapia, aos sentimentos do cliente e ter sensibilidade para acolhê-lo e compreendê-lo durante aqueles momentos de interação (Hackney e Nye, 1977).

Existem diversos modelos de análise funcional na literatura, com diferentes sistematizações e diferentes ênfases (Ulian, 2007), mas algo que parece ser de fundamental importância é a forma de redigi-la, sempre buscando clareza, de forma sucinta, contendo a maior parte dos dados mais relevantes e permitindo e estimulando a constante revisão das hipóteses ali colocadas (Sturmey, 1996, citado por Ulian, 2007; Costa e Marinho, 2002).

Podemos entender, portanto, que a análise funcional ou análise de contingências é o instrumento básico do analista do comportamento para identificar e compreender o comportamento humano e propor intervenções que possam levar o cliente à mudança, e a uma nova forma de lidar com o seu ambiente. Aprender a fazer uma boa análise funcional, embora não seja uma tarefa fácil, se torna indispensável para qualquer analista do comportamento (Ulian, 2007).

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* A palavra "problema" costuma ser bastante mal interpretada, por ter um sentido pejorativo no senso comum. "Problema", aqui, é usado no sentido de "questão a se debruçar sobre e pensar na sua resolução", como pensamos quando lembramos de "problemas matemáticos", por exemplo. Não tem a ver com um julgamento de valor, nem poderia.


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Referências

Costa, S. E. G. de C. e Marinho, M. L. (2002). Um modelo de apresentação de análises funcionais do comportamento. Estudos de Psicologia - PUC-Campinas, vol. 19, nº 3, pp. 43-54.

Hackney, H. e Nye, S. (1977). Relacionamento. In: _____ Aconselhamento: estratégias e objetivos. São Paulo, EPU, pp. 137-159.


Kanfer, F. H. e Saslow, G. (1976). Um roteiro para o diagnóstico comportamental. In: E. J. Mash e L. G. Terdal (Eds.). Behavior Therapy Assessment. New York, Springer Publish Company. Traduzido por N. C. de Aguirre e revisado por H. J. Guilhardi, para uso do Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR).


Meyer, S. B. (2003). Análise funcional do comportamento. In: Costa, C. E; Luzia, J. C.; Sant'Anna, H. H. N. Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição. Santo André, ESETec, pp. 75-91.

Torós, D. (1997). O que é diagnóstico comportamental. In: Delitti, M. Sobre Comportamento e Cognição, vol. 2. Santo André, ESETec, pp. 98-103.

Ulian, A. L. A. de O. (2007). Uma sistematização da prática do terapeuta analítico-comportamental: subsídios para a formação. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da USP. São Paulo.

2 comentários:

  1. Parabéns pela texto, muito claro e conciso. Sugiro apenas revisão da sua assertiva a propósito do fim de uma análise. A psicanálise não opera com estruturas como fim em si mesmas.

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  2. Sim, professor! Acho que minha frase que não ficou clara.

    As estruturas em psicanálise não têm a mesma função de outros tipos de diagnóstico, na minha opinião, já que não são dadas ao início e só são mais claramente delineadas no fim do percurso analítico, que foi o que quis dizer. São mais pra dar um ponto de referência ao analista quanto ao que o analisando vai elaborar, mas não são fechadas desde o início porque podem obscurecer o desenrolar da análise. :)

    Meu contraponto no texto foi só à noção de diagnóstico com uma classificação pré-determinada, que a AC não utiliza, pelo menos não de forma tão estruturada como outras abordagens clássicas.

    Valeu pela visita! Abraços!

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