Nesta semana, teve destaque na mídia uma pesquisa feita por uma equipe da Unifesp contestando a eficácia do tratamento contra o alcoolismo promovido pelo grupo dos Alcoólicos Anônimos (AA), muito conhecido no Brasil e iniciado nos Estados Unidos.
Os resultados da pesquisa mostraram que a taxa de abstinência dos freqüentadores do AA é de apenas 9% após seis meses de tratamento, em comparação com uma taxa de 10% entre aqueles que fazem tratamento medicamentoso e 36% entre aqueles que fazem tratamento medicamentoso combinado com terapia. Entre os motivos para a falta de adaptação, estariam a pouca identificação com a filosofia de tratamento do AA, o clima do grupo e mesmo uma certa “demagogia” (veja aqui). Alguns psiquiatras e representantes do AA, após a divulgação da pesquisa, já vieram a público contestar os resultados (aqui).
O estudo em questão trouxe à tona um tema bastante discutido na literatura de saúde, que é a adesão ao tratamento. Por que será que algumas pessoas aderem com tanta facilidade ao tratamento, seja ele farmacológico, terapêutico, psicológico, etc., e outras não conseguem levá-lo adiante?
A adesão é definida pela OMS como um conjunto de ações de um indivíduo que podem compreender tomar remédios, comparecer a consultas previamente agendadas, obter imunização, adotar hábitos saudáveis, etc. Ela envolve a participação ativa de uma equipe multiprofissional, que será responsável por estabelecer e manter acordos com o paciente sobre esse tratamento (WHO, 2003, citado por Moraes, Rolim e Costa Jr., 2009).
A maioria dos estudos epidemiológicos sobre adesão mede esta característica com base em instrumentos como questionários de auto-relato, contagem de pílulas (no caso de tratamentos farmacológicos) ou número de vezes que uma pessoa deixou de tomar o remédio ou comparecer a procedimentos médicos (é estabelecido um ponto de corte, a partir do qual certo número de vezes sem tomar a medicação ou comparecer a um tratamento caracteriza a não-adesão) (Nemes e cols., 2009).
Todos eles ajudam a entender os motivos que podem levar alguém a não aderir ao tratamento, os quais podem ir desde a má compreensão do tratamento pelo paciente (que pode ser por uma dificuldade de entendimento de termos médicos, uma falha de comunicação efetiva entre paciente e equipe, etc.) até fatores sociodemográficos, como dificuldades de acesso do paciente a postos de saúde e hospitais, à distribuição de remédios, a conjuntura e apoio familiar, o trabalho que essa pessoa exerce, etc. Por isso, a equipe que acompanha um paciente deve estar atenta para essas particularidades (Moraes, Rolim e Costa Jr., 2009).
No caso dos Alcoólicos Anônimos, o que parece entrar em jogo é justamente essa “personalização” do tratamento, já que o modelo é bastante estratificado, com a idéia dos 12 passos que devem ser seguidos por todos os participantes. Como visto pela pesquisa, um dos motivos levantados pelos participantes do AA como importantes para sua desistência foi a falta de identificação com a proposta. Não podemos saber apenas pela reportagem por que essa identificação não ocorreu, mas provavelmente deve-se ao fato de o tratamento do AA não levar em consideração estas particularidades da vida de cada um.
Uma outra crítica frequentemente feita ao método, que inclusive foi apontada na pesquisa, é a referência à religião (vários dos passos mencionam Deus e a espiritualidade como uma fonte de força ao tratamento). Apenas isso pode representar um problema, já que podem existir participantes com visões religiosas diferentes ou mesmo ateus, naquele grupo.
É importante ressaltar, no entanto, que o AA não tem como pretensão ser um tratamento único para o alcoolismo. Ele não oferece diagnósticos, acompanhamento psicoterapêutico ou farmacológico, nem impede que o membro procure outros tratamentos. A participação nos grupo pode ser importante, especialmente se outras ferramentas de apoio estiverem presentes – e se nestas houver uma preocupação em entender a melhor forma de tratamento caso a caso, levando em conta as especificidades. O alcoolismo não é um só, e sim vários. Nem todas as pessoas bebem em excesso por “falta de vontade de parar”, “espiritualidade pouco desenvolvida”, etc. Motivos são tantos quanto alcoolistas existem.
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Referências
Nemes, M. I. B. e cols. (2009). Assessing patient adherence to chronic diseases treatment: differentiating between epidemiological and clinical approaches. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol.25, sup. 3, pp. 392-400.
Moraes, A. B. A. de; Rolim, G. S. e Costa Jr., A. L. (2009). O processo de adesão numa perspectiva analítico-comportamental. Rev. Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, vol.11, n.2, pp. 329-345.
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