Li na última semana um texto (mais um dentre tantos) que falava da agressividade tão constante dos espaços feministas. No caso do texto, era discutida a agressividade contra os homens que tentavam se aproximar do movimento, com o conhecido argumento de que a revolução na sociedade também passará por desconstruir o machismo nos homens e que devemos aproximá-los se quisermos fazer isso, não apartá-los. Também já vi várias vezes mulheres falando de como deveríamos ser menos agressivas entre nós ao defender os aspectos específicos de cada alinhamento feminista, em vez de acusar, discutir e rachar umas com as outras. Não vou linkar o texto citado aqui porque acho que não vem ao caso, até porque, se você procurar, vai achar um bom punhado de textos sobre o assunto, com os mais variados argumentos: homens são aliados, não protagonistas, então devemos educar e manter nossos espaços; ai, mas eu não odeio homem, imagina; essa agressividade toda só divide o movimento, cadê sororidade; etc. (Comecei por ele por ter sido um texto disparador, mas na verdade faz tempo que penso em escrever sobre isso; não tenho interesse em fazer guerrinhas de ego nem apontar o dedo para mulher nenhuma, até porque não sou ninguém na fila do pão do feminismo internético brasileiro e espero de verdade que continue assim).
Eu mesma já concordei bastante com esses argumentos. Como psicóloga e analista do comportamento, tendia a levar a discussão para o lado individual, pensando em tudo que os autores da área falam sobre punição. Os maiores críticos do uso da punição para ensinar alguém talvez tenham sido o próprio Skinner, fundador da abordagem, e o Murray Sidman, seguidor direto do primeiro quanto a esse assunto. Muito basicamente, o que se fala sobre punição é: 1. não é efetiva, dado que uma pessoa punida ao fazer algo só aprende a não fazê-lo, mas não aprende nada melhor no lugar e, mais ainda, aprende a deixar de fazer apenas na presença de quem/o que o puniu, o que chamamos de
contracontrole; 2. frequentemente gera produtos indesejáveis, como sentimentos de raiva, culpa, ansiedade, etc. na pessoa punida
[i]. Ou seja, punição não ajuda e ainda atrapalha. No exemplo citado, além de só fazer com que o cara vá falar mal do feminismo pelas costas das feministas, ainda vai deixar ele com raiva em vez de se interessar por aprender de verdade alguma coisa.

Mas de uns tempos pra cá eu comecei a ficar bastante cética sobre o assunto. Primeiro que a punição, ao contrário do que a maioria dos analistas do comportamento costuma acreditar, não é o diabo feio que se pinta. Infelizmente, nosso meio é coercitivo
[ii]. A coerção é uma realidade em qualquer ambiente. Frequentemente fazemos coisas que não queremos fazer, tomamos bordoadas que não imaginávamos tomar e o clima de tabu em se falar de métodos punitivos é bem ruim para uma abordagem que se diz científica. Segundo que os conceitos de punição e coerção vêm sendo já bastante discutidos. Carvalho Neto & Mayer (2011) apontam que Skinner, em diferentes momentos da sua obra, tratou reforçamento e punição como assimétricos e como se reforçar em vez de punir fosse sempre melhor, mas que não é bem assim – o reforçamento também acarreta subprodutos a que pouco atentamos, mas que o próprio Skinner até menciona em alguns momentos discutindo questões sociais, como a baixa resistência à frustração que pode causar (ver Skinner, 1987). Enfim, tem um milhão de questões conceituais que não vale a pena escarafunchar aqui nesse texto, mas é bom prestarmos mais atenção no que falamos sobre punição.
Para além dessas nerdices de behaviorista radical, comecei a me questionar sobre a propaganda que fazemos de tratar as pessoas sempre bem e sermos todas amigas e vamos dar as mãos e ser felizes dentro do feminismo. As primeiras a colocar o dedo na nossa cara com razão foram as feministas negras. O feminismo, enquanto movimento com esse nome e com uma série de preceitos específicos, sempre foi elitista e voltado para as questões de mulheres brancas e burguesas. Uma dessas mulheres sou eu. Eu me senti confortável no feminismo assim que percebi que minhas questões com a mulheridade são contempladas no seio do movimento. Eu posso sentar, ler, discutir e me sinto representada pela maioria dos tópicos que são discutidos. No entanto, nem todas são. Frequentemente existem casos de racismo dentro de grupos feministas e quando as mulheres negras vão apontar, são cobradas com os argumentos que citei acima. “Ah, mas vocês estão sendo agressivas”. “Ah, mas vocês estão dividindo o movimento”. “Ah, mas EU não achei isso que você está dizendo racista”. “Ah, mas EU não sou racista, tenho amigas negras”. “Ai, não precisa ser grossa comigo, cadê a sua sororidade”. And so on, and so on.
"O movimento feminista participa dos movimentos antiautoritários (...) Pertencer ao movimento representa a realização de uma nova ideologia, a pesquisa de sentido e de valores comuns. A essa nova ideologia denominou-se "sororidade": sisterhood is powerful (a sororidade é poderosa). Mas as questões de identidade racial ou nacional dividem o movimento, e a solidariedade comum das mulheres é rapidamente questionada pela suspeita da ignorância dos problemas próprios de cada grupo identitário, pelo temor da criação das novas formas de dominação entre homossexuais e heterossexuais, entre burguesas e proletárias, entre as mães e aquelas que não o são, entre as mulheres brancas e as mulheres negras (...)". (Fougeyrollas-Schwebel, 2009, p. 146).