sábado, 15 de novembro de 2014

"Você é muito inteligente para uma mulher"

Antes de me reconhecer como feminista, eu ouvi essa frase e suas variações algumas vezes de pessoas com quem me relacionei ou que conheci. Naquela época eu sentia que tinha algo errado, mas não sabia o que era esse "algo". "Esse cara está me elogiando, mas por que eu não me sinto de todo bem com isso?". As variações foram coisas como: "Você é mais inteligente do que as mulheres que eu costumo conhecer"; "É que a maioria das mulheres é fútil e não liga pra essas coisas sobre as quais estamos conversando"; "Você é diferente das outras".

Demorou para eu perceber as asserções nas entrelinhas: 1) a mais óbvia é que se diz de outra forma "mulheres são burras"; 2) "seu valor aos meus olhos só surge enquanto você se destaca da categoria 'mulher', enquanto você é ~diferente~". Isso é problemático de diversas maneiras. Mais do que a frase encharcada de sexismo benevolente, fica a mensagem de que se você é mulher, por si só, precisa fazer algo para ~ser diferente~ para valer alguma coisa; ou, em outras palavras, precisa ser qualquer coisa que não seja "a mulher" segundo o conceito do cara machista. E não há nada de errado em ser mulher. Mas a gente compra essa às vezes.

Demorou para eu ouvir apenas "você é inteligente", e ponto. E, pelo que percebo, além de nós, mulheres, não percebermos por vezes qual o problema disso, tem cara que ainda acha que está elogiando para falar uma abobrinha dessas. Não, não é um elogio.

Se um cara falar isso pra você, gata, ele não está sendo fofo. Não está reconhecendo suas qualidades únicas. Run to the hills.

(textinho do meu facebook)

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Tornar-se feminista - controle de estímulos, comportamento e feminismo

Quem me conhece pessoalmente e/ou acompanha há algum tempo minha vidinha VIP (Very Internet Person) sabe que, de uns tempos pra cá, me interessei pelo feminismo e comecei a estudá-lo mais ou menos sistematicamente. Começou faz pouco tempo. Meu interesse surgiu nos tempos do auge do Femen Brasil, um par de anos atrás. Talvez vocês se lembrem daquelas moças, entre elas uma garota bonita e loira com um quê de Marilyn (a líder Sara Winter), que eram clicadas fazendo manifestações com os seios de fora e uma guirlanda de flores na cabeça. Me lembro especialmente de uma manifestação contra as lojas Marisa e outra contra o turismo sexual.

Naquela época, também chegou e começou a fazer barulho em terra brasilis a Marcha das Vadias, adaptada das Slut Walks que ocorreram pelo mundo após um policial canadense declarar que para as garotas não serem estupradas, deveriam se vestir de forma, digamos, mais comedida. As Marchas aglutinaram reivindicações do novo feminismo, e talvez por questões de zeitgeist, se confundiam na mídia com as manifestações das brasileiras do Femen. Portais de notícias faziam extensas galerias de fotos de garotas com os seios de fora e os corpos pintados, carregando cartazes e gritando palavras de ordem contra diversas situações pelas quais as mulheres passam.

Eu já estava em vias de me formar, ou formada, não me lembro bem, e essas discussões me chamaram a atenção. Primeiro porque eu não conseguia casar aquilo tudo com a ideia que eu tinha de feminismo. O que eu conheci sobre o movimento veio da via de senso comum e dos poucos contatos com feministas que tive durante a faculdade de humanas. Minha visão era uma espécie de amálgama de características positivas - mulheres que estavam lutando por seus ideais, afinal - e, mais que as primeiras, negativas - mulheres que só falavam em aborto (do que eu era contra), que pregavam uma liberação sexual que eu não entendia bem (pra mim tinha a ver com se tornar não-monogâmica ou bissexual ou lésbica, uma visão extremamente ingênua e tacanha da minha parte da qual até hoje me envergonho), que tinham relações intrínsecas com a política partidária (o que vinha do que eu via nos movimentos da faculdade) e, principalmente, que eram agressivas e hostis e por isso eu tinha medo de me aproximar pra perguntar ou esclarecer minhas dúvidas. Enfim, era uma visão bem de senso-comum de feminista como "gorda-feia-lésbica-que-queima-sutiã-não-se-depila-e-faz-aborto-como-quem-troca-de-camisa". Talvez uma visão só um pouquinho menos estreita que isso.

Ao ver todas aquelas manifestações e mulheres juntas, eu fui pesquisar na internet informalmente pra tentar captar qualé. Vi que, apesar de serem colocadas pela mídia frequentemente como tudo a mesma coisa, Marcha das Vadias e Femen Brasil tinham ideais diferentes e não eram tocadas pelas mesmas pessoas. Percebi, curiosamente, que parecia que o Femen, tido pela mídia como retrato da feminista-que-grita, na verdade não era um movimento nem um pouco unânime pra quem já estava dentro do barco do feminismo há mais tempo. "Ué, todas tiram a roupa e protestam, qual que é a diferença?". Long story made short, fui chegando aos pouquinhos, lendo vários textos, assistindo coisas, participando de grupos de debate, escutando e falando, e, bam!, percebi que eu era feminista.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Indicação de artigo - 10 dicas para escrever artigos científicos em inglês como um falante nativo

Todo mundo que estuda e faz ou fez parte de algum grupo de pesquisa já passou por aquela situação que dá arrepios: tá todo mundo lá pesquisando, produzindo, e na hora de discutir os resultados e decidir os detalhes de como publicar, a orientadora/orientador decreta: "TEMOS QUE PUBLICAR ISSO EM INGLÊS, porque em português ninguém lê e eu quero mandar para revistas de impacto e quero fama e dinheiro e louros e iates e prêmios Nobel e etc".

Daí você, inocente bolsista de iniciação científica, se vê na difícil tarefa de escrever numa língua que não é a que você aprendeu desde o bê-a-bá lá quando era um lindo bebezinho. E aí? Comofas? É choro e ranger de dentes, gente brigando dentro do grupo, amizades feitas e desfeitas, gente saindo na mão, madrugadas em claro, todos jogando o artigo no lixo e recuperando mil vezes até sair alguma coisa que preste - isso quando não dão o azar de, depois de o trabalho todo feito, receber de volta o texto da equipe da revisão da revista mandando revisar tudo de novo. Revisar, revisar, revisar!

Isso na verdade é complicado não só pra quem é bolsista IC. No Brasil poucas pessoas realmente dominam bem o inglês, e isso acontece também entre aqueles docentes-dinossauros que estão há anos pesquisando, mas nunca publicaram fora por não dominar o idioma. Mas o inglês é a atual língua da ciência, então não tem nem choro nem vela. Tem de se virar. Mesmo os fluentes na língua também vão se deparar com dificuldades especiais quanto à escrita científica - uma coisa é bater papo na Disneylândia com o Mickey Mouse, outra é comunicar os resultados da sua pesquisa de 15 anos pra outros colegas que podem estar genuinamente interessados no que você tem a dizer.

Depois de receber vários pedidos de colegas brasileiros para revisar artigos em inglês, a pesquisadora Mariel Asbury Marlow resolveu publicar dez dicas para escrever artigos científicos em inglês - e não apenas escrever, mas escrever bem e de acordo com as normas de escrita científica. Ela esclarece vários possíveis problemas ao se verter completamente um texto do português para o inglês, como o uso da voz passiva (comum no português, mas não muito bem aceito na redação científica em inglês), o uso de maiúsculas e minúsculas, artigos definidos e indefinidos, pronomes etc. O artigo pode ser encontrado aqui e o acesso é gratuito. É pra ler e guardar pros momentos de desespero.

(Indicação via INCT|ECCE no Facebook, vale curtir: https://www.facebook.com/InctEcce)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Sobre feminismo, cultura, a pesquisa do Ipea e Análise do Comportamento

Nos últimos dias, vimos surgir na mídia questões sobre a liberdade feminina no Brasil, por meio de dois fenômenos a princípio não interligados, mas que acabaram convergindo para essa discussão. Primeiro, ocorreu na mídia uma série de denúncias relativas a casos de abusos praticados contra, majoritariamente, mulheres no transporte público. O caso que ganhou visibilidade primeiro foi o de um rapaz que foi preso em flagrante ao ameaçar uma mulher com uma faca no metrô, obrigá-la a se despir e então ejacular sobre ela – pelo que foi repreendido por populares no mesmo momento, dada a obviedade da ofensa. A partir daí, outros casos foram ganhando as páginas dos jornais, por meio dos relatos de várias mulheres de diversos lugares do país (veja alguns relatos aqui e aqui).

Depois, veio a divulgação de uma pesquisa pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A pesquisa, intitulada Tolerância social à violência contra as mulheres, foi feita da seguinte forma: frases afirmativas eram apresentadas a(o) entrevistado(a) e ele apontava, por meio de uma escala tipo Likert de 5 pontos, o quanto concordava ou discordava daquilo. Entre as afirmações, frases como “Homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia”, “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família”, “um homem pode xingar e gritar com sua própria mulher”, etc. Foram entrevistadas 3810 pessoas, de forma presencial, por meio de visita domiciliar. A maioria destas pessoas estava no Sul/Sudeste e era mulher e adulta (confira a pesquisa na íntegra aqui).

Entre os resultados obtidos, pôde-se observar repúdio da maioria dos entrevistados à ideia de que “um homem pode xingar e gritar com sua própria mulher”, por exemplo (com 89% de discordância). Mas outras questões sugeriram que a violência contra mulheres é ainda tolerada e, em alguns casos, mesmo justificada – caso das questões “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”, com 58% de concordância, e “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”, a princípio, com 65% de aprovação – o que foi corrigido depois, como veremos adiante.

A pesquisa teve repercussão imediata nas redes sociais e na mídia, e foi o estopim de diversas manifestações de repúdio. Entre eles, um protesto que começou despretensioso: a jornalista Nana Queiroz convocou mulheres do seu círculo, via Facebook, para tirar fotos acompanhadas da mensagem “Eu Não Mereço Ser Estuprada”. A manifestação acabou se tornando um viral e o evento no Facebook atraiu milhares de pessoas. Boa parte, de mulheres (e homens) que queriam apoiar a ideia; mas a parte que se tornou o centro das atenções foi a que invadiu o espaço para ameaçar e ridicularizar mulheres, incluindo ameaças de estupro contra as mulheres que ali apareceram e contra a própria Nana.

Muitos coletivos feministas, pessoas comuns e até celebridades manifestaram seu repúdio aos ataques sofridos pelas mulheres e parecia que estávamos testemunhando, finalmente, alguma possibilidade de mudança – uma reflexão forçada pelos acontecimentos que vieram à tona. Daí, veio mais uma bomba: o Ipea, dias depois da divulgação da pesquisa citada, veio a público se desculpar por ter feito uma troca nos gráficos referentes a duas questões, entre elas, a questão que chamou mais a atenção – não eram 65% dos entrevistados que concordavam com a afirmação “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”, e sim 26%. Os 65% de concordância na verdade eram referentes à afirmação “Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar”. Confira a errata completa aqui.

Skinner Disney Edition

Porque no fundo ele só queria ser amado:


Preguiça de estudar e tablet à mão dão nisso.

Mas aguardem e confiem que vem texto :D